Hexcrawl, um termo que anda muito falado nas comunidades brasileiras de RPG, principalmente nas comunidades mais focadas na OSR (Old School Renaissance, Old School Revival ou Old School Revolution, dependendo de para quem você pergunta!). Há alguns anos desde que eu voltei do meu hiato RPGístico, eu tenho me interessado cada vez mais pelo modo como as coisas “funcionavam antigamente”, sendo o Hexcrawl (e o seu primo mais recente, o Pointcrawl) os assuntos a que eu mais me dediquei.

Acho que não é mais tão necessário definir o que é um Hexcrawl, já que outras pessoas deram pinceladas muito boas sobre o assunto, como por exemplo o Diogo Nogueira e o Rafael Balbi. Minha proposta aqui é tentar dividir e abordar cada um dos vários elementos que compõem um Hexcrawl, e mostrar a importância de que exista algum tipo de coerência interna no seu mundo.

Mais importante do que as dimensões dos seus mapas, as distâncias que os PJs conseguem andar num dia, o comportamento dos encontros aleatórios, como as cidades e vilas estão espalhadas pelo mapa, mais importante do que tudo isso é que exista algum tipo de coerência interna, um conjunto de regras que guie e una todos esses elementos de uma forma lógica (mesmo que seja uma lógica que não faça o menor sentido no mundo real!) e que assim consigam dar uma sensação de coesão ao seu mundo e que ele não pareça uma colcha de retalhos que foi criada usando tabelas aleatórias (mesmo que ele de fato tenha sido gerado assim, hahahahaha…).

Eu gostaria que, ao final dessa jornada, todos vocês que me acompanharem estejam aptos a criar e se aventurar em seus próprios hexcrawls, que consigam criar campanhas totalmente ‘sandboxed’, gigantescas ou pequenas, onde seus jogadores sejam constantemente surpreendidos pelo mundo inexplorado ao redor deles!

E para começar essa série de posts, nada mais justo do que abordar o elemento mais básico do Hexcrawl: o hexágono.

O Hexágono

O hexágono de um mapa de Hexcrawl pode ter diversos tamanhos. Existem mapas clássicos que usam a escala de 1 hexágono = 6 milhas, em outros 1 hexágono = 25 milhas. Para fins do nosso exercício, vamos ter como padrão que 1 hexágono = 10 quilômetros. Essa minha escolha se deve a três motivos:

1 – É uma aproximação do hexágono de 6 milhas, usado em muitos módulos de Hexcrawl em inglês (6 milhas = 9,65 quilômetros).

2 – É um número inteiro, fácil de trabalhar.

3 – Vai facilitar nossa vida quando formos definir a visibilidade dos hexágonos adjacentes (falaremos mais sobre isso adiante).

Mas o que eu quero dizer com um hexágono de 10 quilômetros?

Um hexágono de ponta a ponta, na menor distância oposta

Se vocês repararem, a diagonal maior do hexágono obrigatoriamente deveria ter mais do que 10 quilômetros (para ser mais preciso, 11,574 quilômetros), mas para mantermos simples a questão da matemática, vamos levar em conta que todas as distâncias de um ponto ao outro do hexágono possuem 10 quilômetros entre si.

Um hexágono de ponta a ponta, na maior distância oposta

Mas porque essa informação é relevante? Ela é relevante para podermos calcular quantos quilômetros (ou seja, quantos hexágonos) os personagens conseguem se deslocar por dia. Em aventuras do tipo Hexcrawl, essa distância pode ser a diferença entre a vida e a morte do grupo. Quando os recursos estão escassos, quando alguém está ferido mortalmente e o tempo é um fator de máxima importância, ou quando os jogadores descobrem que uma emboscada ocorrerá em 2 dias numa cidade que fica a 8 hexágonos de distância de onde eles se encontram, a distância percorrida por dia passa a ser um fator tão importante quanto tesouros ou mantimentos.

O hexágono de 10 quilômetros foi escolhido também para facilitar o cálculo da visibilidade da linha do horizonte. Numa situação ideal, no planeta Terra, um barco em alto mar consegue enxergar outro ponto que esteja entre 20 e 25 quilômetros, aproximadamente. Em solo, essa distância cai bastante e é influenciada também pelos acidentes geográficos (colinas, montanhas), obstáculos (como muralhas ou árvores de uma floresta) e a altura do observador. Por isso, eu defini nos meus mapas que uma visibilidade máxima razoável seria algo em torno de 15 quilômetros.

E por que você deveria se importar com isso (aposto que essa pergunta está passando na sua cabeça nesse momento) é simples: isso vai afetar diretamente a mecânica de viagem dos PJs! Veja no exemplo abaixo:

Visibilidade dos hexágonos adjacentes, a partir do centro de um hexágono num terreno com a visão completamente desimpedida

A visibilidade de 15 quilômetros permite aos jogadores, a partir do centro de um hexágono, ter visão dos hexágonos adjacentes aos que ele se encontra. No caso acima, os PJs estão numa planície cercada por planícies com vegetação rasteira e portanto com a visão desimpedida. Essa situação seria diferente se eles estivessem cercados por florestas, colinas ou mesmo montanhas (que reduziriam bastante a visão do horizonte). Mas esses mesmo acidentes geográficos também poderiam ampliar o alcance da visão deles, caso estivessem no topo de uma montanha ou numa colina mais alta que o terreno adjacente. Mas não se preocupem com as características dos terrenos agora, teremos um capítulo inteiro sobre os diversos tipos de terreno e como eles podem afetar a exploração, onde eu abordarei esses elementos com mais detalhes.

Outra característica importante dos hexágonos de um Hexcrawl é que eles devem ser numerados. Você pode dar ou não essa informação aos seus jogadores. Eu particularmente prefiro deixar essa informação disponível para os jogadores, de modo que eles possam fazer as próprias anotações sobre o que encontraram no mapa, referenciando os mesmos números que eu tenho acesso.

Por exemplo:

Mapa dos arredores da Vila de Beispiel

Se os jogadores saem da Vila de Beispiel que se encontra no hexágono 02.01, seguindo na direção sudoeste (01.01) onde encontram um ídolo misterioso, é importante que eles saibam que o ídolo foi encontrado no hexágono 01.01. Pode ser que naquele momento o grupo não possa explorar o ídolo, ou que precisem voltar em outro momento com mais carregadores pois o ídolo é feito totalmente de ouro e eles sozinhos não conseguirão carregar o ídolo de volta para a vila, etc… Não importa a razão, mas sim saber em que hexágono eles encontraram algo interessante que mereça uma revisita posterior.

Essa numeração também serve para o mestre poder organizar previamente (de maneira aleatória ou não – falaremos mais sobre isso em um capítulo que vai abordar como abastecer de coisas interessantes os seus hexágonos) certos elementos fixos dentro do seu mapa. Por exemplo, onde se localizam cidades, vilas, tocas de monstros, torres abandonadas, onde você vai querer inserir elementos pegos de outros hexcrawls no seu mapa e coisas do tipo.

A função de numeração de hexágonos é bem básica e a maioria dos softwares de mapas hexagonais (como o Hexographer) fazem isso automaticamente para você.

Hexágonos dentro de hexágonos

É possível deixar seus mapas ainda mais detalhados pegando seus hexágonos individuais e dividindo eles em sub-hexágonos, como na imagem abaixo:

Um modelo de mapas para sub-hexágonos, disponível em http://www.welshpiper.com/hex-templates/

Na divisão acima, cada sub-hexágono teria aproximadamente 2 quilômetros de distância de uma ponta a outra, utilizando o tamanho de hexágono padrão que nós definimos. Vejamos um exemplo de um mapa preenchido usando essa técnica:

Mapa da região de Rhudaur, na Terra Média, por Pete Fenlon (clique para visualizar no tamanho original)

Nesse exemplo temos o mapa com hexágonos maiores, numerados, e podemos observar que cada grande hexágono é composto por diversos hexágonos menores (também numerados). É uma opção para detalhar mais os hexágonos que forem considerados chave para a campanha (ou mesmo para detalhar melhor todo o mapa), mas eu particularmente não sou muito fã dos hexágonos dentro de hexágonos. Eu acho que o Hexcrawl se beneficia muito dos espaços em branco no mapa ou pelo menos de que os mapas sejam grandes pinceladas sem excesso de detalhes. Tentar detalhar nesse nível (do modelo em branco, a cada 2 quilômetros) seus mapas pode ser uma tarefa hercúlea. Definitivamente é um caso, na minha opinião, onde menos é mais.

Dito isso, pode ser que você descubra que curte esse tipo de detalhamento, então vá em frente! Comece escolhendo uma região que os PJs visitem com frequência e comece a detalhá-la mais. E a partir dela, siga para as regiões adjacentes, mas não se esqueça de que é interessante não dar acesso aos jogadores a esse mapa detalhado: grande parte da graça de um Hexcrawl é seguir rumo ao desconhecido. Conhecer pelo mapa, com detalhes, uma região que nunca foi visitada previamente pode tirar um pouco da graça e da surpresa de seus jogadores!

Pessoal, por hoje é isso. É importante ressaltar que todas essas informações são somente linhas-guia e não regras para a criação de um Hexcrawl. O objetivo é dar um ponto de partida para quem nunca construiu um mapa de jogo nesse estilo. Pode ser que você eventualmente descubra que hexágonos de 40 quilômetros são muito mais interessantes para o seu jogo ou que seu mundo seria mais legal se a linha do horizonte ficasse a 25 quilômetros de distância, aumentando a visibilidade dos PJs. Eu cheguei nos números que eu mostrei aqui com a minha experiência de jogo e de leitura sobre o assunto, que pode ser totalmente diferente da sua e não tem absolutamente nada de errado com isso!

Caso tenham qualquer dúvida ou pedidos, sintam-se à vontade para usar os comentários ou e-mail! Prometo que responderei a todos, o mais rápido possível!

No nosso próximo encontro, falaremos sobre terrenos e deslocamento num mapa de Hexcrawl! Até lá!

 


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