Este post foi totalmente idealizado e escrito por Eric “MUSASHI” Souza

Webmaster da Shotokan RPG  e editor do fanzine Punho do Guerreiro

Obrigado por colaborar com a Guilda dos Mestres

Insert Coin!

Todos devem conhecer a história em 2017,  no começo da década de 1990, gigantes do RPG viam o público diminuir. Acreditando que a causa era a falta de renovação do hobby, empresas buscaram investir em linhas para jogadores mais jovens. A TSR, por exemplo, criou First Quest.

A White Wolf, na época, vivia seu auge com o Mundo das Trevas, mas mesmo assim buscaram seu chamariz para jogadores novatos ou mais jovens. Seria um RPG fora do Mundo das Trevas, porém utilizando o sistema Storyteller. Diante do boom de jogos de luta, decidiram que seria nessa temática.

Segundo Mark Rein-Hagen, eles ficaram tentados em escolher Mortal Kombat. Vale lembrar que estávamos em 1994 e Street Fighter 2 vivia o seu auge, mas a Capcom seguia atualizando o jogo ao invés de lançar novas versões. Enquanto isso, a concorrência atacava pesado, e o maior rival era o jogo sangrento da Midway. A White Wolf realmente cogitou torná-lo um RPG, mas optou pelo clássico Street Fighter por ter personagens melhor trabalhados e mais marcantes – assim disse Rein-Hagen.

Não julgue um livro pela capa! Versão americana e a brasileira

Até briga de rua tem regras!

Street Fighter: O Jogo de RPG usa o sistema Storyteller. Contudo, uma versão bem diferente – muito mais avançada, aliás – daquela usada no Mundo das Trevas. Os designers se esforçaram muito para tornar o jogo temático. Eles não se preocuparam com os puristas, e converteram um sistema no qual o dano costuma ser severo, e os mortais fracos, em algo cinematográfico.

O conceito de “dano” foi modificado. No Mundo das Trevas, ele representa ferimentos brutais e por isso, socos e chutes causam pouco dano. Street Fighter é um mundo de lutadores, os combates devem ser longos e emocionantes, com golpes duros. Assim, o dano, nesse jogo, é tudo o que um lutador aguenta receber até perder a consciência. É muito mais uma medida de capacidade de suportar golpes que ferimentos em si. Os ferimentos são tudo o que ultrapassa essa capacidade, convertendo-se em “dano agravado”, que leva dias para curar. O dano normal é curado com apenas quinze minutos de descanso – porém, se o personagem desmaiar, só vai acordar quando o Narrador decidir.

Mas e as armas de fogo?

Essa mudança se encaixou perfeitamente na temática, mas gerou problemas com armas de fogo, algo que foi resolvido mais adiante, quando alguns suplementos sugeriram que Narradores adotassem dano automaticamente agravado para armas de fogo. No fundo, armas de fogo pouco importam para Street Fighter. Não é o tipo de jogo em que os jogadores sairão metralhando capangas. Não é o que Ryu faria. Assim, elas são abordadas rapidamente, e só devem existir para intimidarem personagens como um recurso narrativo.

 

Os designers conseguiram ao mesmo tempo criar um combate cheio de estratégia, contragolpes e recursos, reduzindo o número de rolamentos de dados e tornando as regras mais realistas que as do Mundo das Trevas. Louvável!

 

Dá hadouken Ryu!!!

As regras de combate são um capítulo à parte. Em Street Fighter, há apenas um rolamento a cada ataque: o dano. Ele é obtido somando um Atributo (geralmente Força) com a Técnica específica e o modificador da manobra/arma. Desse dano, subtrai-se a Absorção do alvo (geralmente Vigor, mas pode somar Bloqueio ou algum poder) e pronto. Esses dados definirão como o golpe pegou – se foi bom ou ruim, ou se foi uma falha crítica. Se Ken está executando um Dragon Punch em Zangief, que bloqueia, ele soma Força (5) + Soco (6) + modificador (6) e subtrai de Vigor (7) + Bloqueio (4) de Zangief. 6 dados.

Esqueça os testes intermináveis de iniciativa. Toda manobra é escolhida antes do turno começar e tem sua velocidade. O mais lento inicia sua movimentação e é interrompido pelo mais rápido, que bate primeiro. Você só vai rolar um dado para isso se houver empate na Velocidade, no Raciocínio e na Percepção, nessa ordem. E será um único dado de desempate.

Quer saber se você alcança o oponente? Os combates usam mapas hexagonais e miniaturas. Isso permite saber se o movimento de sua manobra é suficiente, se você ainda pode bater após ser interrompido e empurrado para trás pelo Dragon Punch, ou se o seu Sonic Boom alcança o oponente. O combate é a parte mais incrível de Street Fighter, e não teria como esperar outra coisa de um RPG sobre o maior de todos os games de luta. Chega a ser incrível pensar que esse sistema surgiu em 1994, com tanta estratégia e um único rolamento por ataque (algo que mais tarde se tornaria padrão em vários outros sistemas e no novo Mundo das Trevas).

Qual é a classe do Ryu?

Por fim, há os estilo de luta. Alguns RPGs adotam classes – geralmente os temáticos -, enquanto outros permitem uma criação de personagem mais aberta. Em Storyteller, é comum que os personagens se dividam em classes – os clãs dos vampiros, as tribos dos lobisomens, etc. A “classe” definida para Street Fighter foi o estilo de luta. Ele influencia no aprendizado de manobras e permite acesso a certas manobras lendárias, algumas exclusivas para certos estilos.
O estilo tem muita importância no mundo de Street Fighter, assim como em diversas sagas japonesas, tanto de games quanto de animes e mangás.

Os estilos funcionam muito bem dentro da proposta de jogo. Quando se cria um personagem, é importante ter estudado a lista de manobras do estilo, pois é a evolução óbvia para ele. Assim, já é possível imaginar quais manobras ele vai aprender em sua evolução. Por isso, a escolha do estilo é importante. Alguns jogadores, em fóruns, reclamam de certas manobras serem fechadas, mas elas são, geralmente, técnicas lendárias, que requerem muitos anos de dedicação, talvez toda uma vida treinando o estilo, como Yoga Teleport, Flaming Dragon Punch e Dragon Kick. É justo, dentro da proposta do jogo.

E o pós-treino? O jogo tem suplementos?

A White Wolf lançou o jogo com pelo menos dois suplementos na manga: Secrets of Shadoloo (Segredos da Shadaloo) e Storyteller’s Screen (Escudo do Narrador), que trouxe um encarte com uma aventura, novas Habilidades e algumas manobras especiais. Provavelmente o Segredos da Shadaloo foi planejado em conjunto com o módulo básico, que já trazia prévias dos estilos de Sagat, Vega e M. Bison e de suas arenas, como também da ilha Mriganka (um país que os designers criaram para acobertar as atividades da Shadaloo – utilizando, inclusive, uma ilustração oficial da Capcom para a ilha). Ambos suplementos, assim como o livro básico, foram lançados em 1994.

 

Realmente fazer capa não é a praia dessa galera, o lance é sair no tapa com estilo!

 

Em 1995, outros três livros foram publicados: o já esperado Player’s Guide (Guia do Jogador), The Perfect Warrior (O Guerreiro Perfeito) e Contenders (Competidores). O Guia do Jogador trouxe muitas possibilidades para Narradores e jogadores. Além de dois novos estilos bastante personalizados (Ninjitsu e Savate), trouxe os Antecedentes Únicos, permitindo criar personagens mutantes, cibernéticos e elementais.

O Guerreiro Perfeito, produzido sob demanda por um autor freelancer (assim como o Guia do Jogador), traz uma grande aventura bastante exótica, abordando um egípcio poderoso que se considera reencarnação de Ramsés, que embora trabalhe para a Shadaloo, busca um velho mestre chinês para aprender técnicas capazes de vencer M. Bison. Os jogadores são envolvidos nessa busca e cruzam a Europa até o Egito, enfrentando catacumbas e um confronto final com o vilão. É um livro muito divertido, lembrando bastante filmes de aventura da década de 1980.

Por fim, o Competidores recebe o apelido de Livro dos Montros de Street Fighter. Ele traz as planilhas de 50 lutadores de diversos níveis, alguns exóticos, outros nem tanto, tentando agradar a todos os gostos. Também apresenta personagens para atuarem de forma mais dramática – justiceiros, fãs, músicos, mestres, etc. O livro é o mais longo suplemento de Street Fighter, ampliando as regras para armas apresentadas no livro básico com uma grande gama de possibilidades, e trazendo, também, um punhado de estilos de luta, alguns bem interessantes, como Pankration e Jiu Jitsu, e outros genéricos e sem sal, como Baraqah e Lua. Por fim, o livro traz quatro cenários para serem incluídos em campanha, envolvendo alguns NPCs previamente apresentados.

A White Wolf não pretendia parar, mas por algum motivo a renovação com a Capcom foi complicada. Um sétimo livro já possuía título e ISBN: Shadows over Mexico (Sombras sobre o México). Ninguém faz ideia se seria um cenário de campanha como o Segredos da Shadaloo ou uma longa aventura como O Guerreiro Perfeito. O fato é que a licença expirou sem renovação e o livro foi cancelado, colocando um ponto final na história de uma das aventuras mais loucas da White Wolf.

A versão brasileira

A versão brasileira foi publicada pela Dragão Brasil em 1999, quando eles adquiriram os direitos de Street Fighter para publicarem HQs e um RPG em seu sistema 3D&T – bem-sucedido e com dois suplementos: Final Fight e Shadaloo. A Character, que licenciava a marca, entendeu que a Trama Editora poderia publicar Street Fighter: The Storytelling Game. Mesmo a Devir, que detinha exclusividade sobre títulos Storyteller no Brasil, parece ter concordado à época, pois é creditado no livro que a editora apoiou sua produção.

Como forma de baratear custos e atrair novos jogadores a Trama dividiu o livro em 3 fascículos, lançando-o em bancas. Somando os fascículos, o preço saía a 1/3 do de um Vampiro: A Máscara, por exemplo. Assim, ele vendeu bem e foi um sucesso. A edição e a diagramação foram sensacionais: mesmo publicado como revista, o livro tem aspecto muito bonito e facilmente se tornou item de colecionador. A fim de não entrar em atrito com a White Wolf, todas as suas artes foram substituídas por material da Capcom ou da HQ da editora Trama, gerando um trabalho melhor que o original.

A treta brasileira

Contudo, toda a situação rumou para um grande imbróglio: a Dragão Brasil chegou a anunciar que pretendia lançar os suplementos, mas a Devir iniciou uma disputa jurídica, uma vez que o material intelectual – mesmo sem as imagens – era da White Wolf. Street Fighter tinha o mesmo problema de RPGs de Star Wars, Homens de Preto, Marvel e DC: os direitos intectuais eram da editora que o produziu, mas os personagens pertenciam a outras pessoas, dificultando muito sua publicação no Brasil.

Talvez já prevendo que não haveria solução, a Dragão Brasil publicou uma aventura em duas partes nas suas edições 56 e 57, trazendo uma versão diferente da publicada nos EUA para o estilo Aikidô, e também um estilo adaptado por eles: o Soul Power, de Rose, da série Street Fighter Zero.

A situação só se resolveu quando Mike Tinney veio ao Brasil para um evento e intermediou as negociações. Foi definido que a Trama poderia seguir vendendo o livro básico, mas os royalties que seriam pagos à Capcom, via Character, foram direcionados para a White Wolf. Isso até fomentou a produção de um encadernado, com nova capa, reunindo o material dos três fascículos, e a publicação de algumas matérias e adaptações na Dragão Brasil, como também das fichas e estilos de luta de Sagat, Vega e M. Bison na edição 90 da revista. Mas o destino de Street Fighter RPG estava selado no Brasil: como nos EUA, ele sairia de publicação por questões contratuais.

KO! Perfect!

De todo modo, o livro básico de Street Fighter é muito completo. Ele traz 11 estilos de luta, 100 manobras especiais (juntando os 5 suplementos, temos pouco mais de 100, isso porque o Guia do Jogador traz dezenas para elementais e híbridos animais), fichas de 13 dos 16 Guerreiros Mundiais, ambientação do mundo de Street Fighter, descrições breves sobre as arenas, estilos e histórico dos outros 3 Guerreiros Mundiais que viriam mais tarde, além de estatísticas e miniaturas de diversos antagonistas e coadjuvantes, como criminosos, ninjas, policiais, agentes secretos, etc. Em geral, livros básicos costumam ser completos, mas Street Fighter permite conduzir campanhas sem qualquer outro livro – este que vos escreve conduziu duas campanhas sem conhecer qualquer outro material, em 1999 e 2000.

Mesmo quem não possui as edições 56, 57 e 90 da Dragão Brasil podem tranquilamente criar planilhas para outros personagens dos jogos. A lógica dos estilos de luta é facilmente compreendida, permitindo montar os estilos Ninjitsu Espanhol, Muay Thai e Ler Drit para Vega, Sagat e M. Bison. Até mesmo o Psycho Crusher podia ser facilmente criado a partir do Flying Head Butt do E. Honda por quem não tinha acesso a materiais originais. O jogo traz até mesmo manobras de outros games, como o Ice Blast do Sub-Zero e o Shockwave do Terry Bogard.

O legado

Ainda hoje, há fãs ativos nos EUA, mas principalmente no Brasil!!!

Entusiastas mantêm páginas ativas, como a sfrpg.com de Matt Meade e a sfrpg.com.br de Luiz Fernando Duarte Junior – um mega portal contendo acesso fácil a praticamente todas as regras e ambientações do jogo, trazendo, também, bastante material próprio.

Street Fighter: O Jogo de RPG cumpre plenamente sua função, permitindo campanhas memoráveis em qualquer cenário que envolva artes marciais e poderes místicos como tema principal. O jogo aceita tão bem esse contexto que fãs criaram adaptações de jogos de luta como King of Fighters, Mortal Kombat e Killer Instinct, ou ainda desenhos e animes, como Jackie Chan Adventures e Naruto. Certamente, entrar nesse mundo de brigões oferecerá uma experiência inesquecível, sobretudo quando soar o gongo e surgir a tensão quanto ao golpe que o oponente prepara, de um modo que nenhum outro RPG é capaz de proporcionar.

 

Eric “MUSASHI” Souza

 

Assim terminamos esta viagem pelo mundo dos guerreiros mundiais

Um ótimo RPG sobre o maior jogo de luta de todos os tempos!

 


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