Uma das coisas que  sempre me incomodou na comunidade de RPG nacional foi o descaso e/ou desprezo pelo nosso folclore. Lembro que ninguém queria jogar o Desafio dos Bandeirantes comigo, alegando que nosso folclore era infantil e sem graça se comparado aos mitos estrangeiros.

Verdade seja dita, os elfos de Tolkien, os vampiros de Anne Rice e os Dragões de D&D não são cópias fiéis dos seus mitos originais. Por isso, eu acho que a comparação é injusta, pois nossas referências folclóricas são oriundas de histórias bobinhas que ouvíamos na infância.

Seja como for, tive o prazer de ler um livro que foi capaz de retratar nosso folclore de forma madura, épica e carregada de aventuras. Estou falando do autor Christopher Kastensmidt e A Bandeira do Elefante e da Arara. Agradeço ao Jow, nosso vampirinho hippie da GdM, que me emprestou este ótimo livro. Se você não é amigo do Jow, então é melhor comprar o seu exemplar aqui. Ta saindo a uns R$ 35,00!

Uma saga de aventuras envolvendo monstros folclóricos, tribos indígenas e os bandeirantes que exploravam o Brasil colônia.

O explorador Gerard Van Oost e o ex-escravo Oludara são os protagonistas do livro e em suas jornadas encontram antagonistas e aliados muito interessantes, além de monstros, é claro! No início tudo parece muito simples, aventureiros estrangeiros desbravando o Brasil atrás de glória e fama, mas com o passar dos capítulos os personagens vamos se desenvolvendo, forjando laços fortes e chegando a influenciar nos rumos da história do Brasil.

 

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Meu primeiro contato com esta obra foi na caça de uma arte para o post sobre o Boitatá

Magia e religião

A magia dos índios, dos africanos e a fé dos cristãos operam maravilhas por todo o livro, mas o mais interessante é o toque de realismo que estes elementos trazem através dos choques culturais. Será que um protestante convicto confiaria sua vida a uma poção de um pajé Tupinambá “pagão”? Um padre católico daria sua benção a um negro adorador de Olorun? Até o celibato e a influência da igreja católica são bem utilizadas na trama.

Aventura, clichês e dilemas

Por falar em tramas, o livro não apresenta grandes reviravoltas. Este não é o tipo de livro para se surpreender com revelações inesperadas ou plot twists inacreditáveis, na verdade temos alguns clichês e até mesmo um momento que exala o aroma de Deus ex machina. Entretanto, nada é exagerado ou previsível, para dar um exemplo,  sem spoilers, os protagonistas enfrentam uma maré de azar Hard Core quando começamos a achar que eles são invencíveis.

Os personagens não são corajosos por lutarem contra monstros apenas, mas principalmente por combaterem a injustiça social, preconceito e a escravidão.

Também há espaço para romance e drama entre uma aventura e outra. Confesso que em certo ponto da narrativa eu cheguei a me compadecer dos personagens e até mesmo me emocionar. Não vou entrar em detalhes para evitar os spoilers, mas apesar de ter um tom leve e bem humorado, você terá momentos tensos, e temerá pelas vidas dos personagens e até das criaturas fantásticas.

 

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Muitos monstros! Saci-Pererê, Iara, Curupira, Mula sem Cabeça, Flor-do-Mato, o Pai-do-Mato, Capelobo, o Labatut, o Mapinguari, Corpo-Seco e a Cuca!

Você não pode salvar o mundo sozinho

Vale ressaltar que os personagens principais não atuam sozinhos. Eu pensei que seria um livro sobre 2 caras fazendo proezas, mas vários personagens abrilhantam a saga com participações decisivas. Temos inclusive uma cena de combate em massa digna de filmes de ação! Ah! O Pai-do-mato! Tem gente que você não sabe se é antagonista ou aliado e outros que você espera que mudem de lado.

Eu adorei cada um dos personagens que cruzou o caminho de Gerard e Oludara, tanto os com poderes sobrenaturais quanto os mais mundanos. Na verdade gostei mais dos mundanos, principalmente os índios. Cabuçu é um guerreiro “endiabrado” que me cativou desde o primeiro sorriso, assim como Flor-do-mato e o Saci são os meus folclóricos favoritos. Eu não sou especialista em história e não sei dizer se existem personagens reais do nosso passado, mas isso não me importa, pois cada personagem me agradou de uma forma.

O livro termina, mas a aventura continua na sua casa

O livro tem um final épico de tirar o fôlego, do tipo que você vai devorando na mesma velocidade em que o caos e destruição vão brotando pelas páginas. No final, é um bom livro para quem curte aventuras fantásticas, fantasia épica e o nosso gigantesco Brasil.

Para nós, RPGistas, o livro tem ainda mais valor, pois descobrimos um pouco da sabedoria, história e costumes de povos africanos e indígenas. Sem falar dos combates contra os monstros fantásticos. Sinto que a galera Old School vai curtir muito! Sim, pois os monstros são fortíssimos e a vida dos personagens não depende apenas de suas armas, mas principalmente de sua astúcia, coragem e sorte. É cada plano sagaz que Oludara prepara com Gerard! vish!!!!

O livro nos apresenta um cenário rico e que pode inspirar campanhas inteiras de RPG ou ser inserido em um arco de aventuras sobre exploração do mundo novo. Você vai chupinhar ótimas idéias de como apresentar monstros assustadoramente, sem falar apenas seus nomes e ótimas estratégias para enfrentá-los nos mais variados terrenos e condições.

Alguém ai falou em Thordezilhas?

Quando você gosta de morder a língua

Por falar em RPG, vamos mudar o foco do romance e falar do RPG. Eu confesso que não esperava mais nada de bom vindo da Devir, mas mordi a língua duas vezes. Uma quando soube que seria lançado um RPG baseado no romance e outra quando percebi que o livro estava muito bonito, com um sistema de regras interessante e um custo ótimo.

Você pode conferir a prévia aqui e comprar o seu exemplar por R$ 28,00 aqui

 

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Um destaque para os índios, temos várias tribos apresentadas com suas diferenças de idioma, costumes e aparência.

Livro barato né?

Não sei dos detalhes do projeto, mas na primeira página do PDF de degustação podemos ver que houve um impulsionamento dado pela Lei de Incentivo à Cultura e o patrocínio do banco holandês DLL, o que abre um precedente interessante, isso sem falar que o livro girar em torno das aventuras de um holandês no Brasil colônia. Tomara que venham mais livros por este caminho, pois facilita a vida de todo mundo!

Jogo de RPG receber incentivo do governo é uma novidade interessante.

Viva o Saci!!!

Com todo respeito ao autor da saga, confesso que é um pouco frustrante constatar que foi preciso um estrangeiro escrever sobre nosso folclore para que ele fosse visto com bons olhos pela galera. É bom que mostra como nosso folclore não deve nada a nenhum mito gringo!

Entre o Saci e o Leprechaun, eu prefiro o Matita Pererê!

Por fim, só posso parabenizar Christopher Kastensmidt, o time da Devir e todos os envolvidos neste projeto irado! Nosso folclore merecia uma oxigenada desse calibre e creio que tanto o romance quanto os quadrinhos, jogo de tabuleiro e o RPG de A Bandeira do Elefante e da Arara obtiveram êxito nesse intento. Confere ai que você só ganha!

É isso ai galera, eu adorei a leitura do romance e não vejo a hora de ir buscar o RPG na livraria Cultura. Espero conseguir um autógrafo do Christopher, porque o cara mandou muito bem!

Abraço e boa leitura

PEP

 

 


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