Um bate papo sobre desenvolvimento de personagens baseado na história.

Apesar do foco no lúdico e na imaginação, o RPG ainda é um jogo e como tal, é definido por regras. Porém eu creio que as regras não deveriam influenciar tanto na história criada pelo grupo, sendo apenas uma ferramenta para o julgamento das ações dos personagens e um guia para condução do jogo.

Eu creio que os eventos de uma aventura deveriam influenciar muito mais no desenvolvimento dos personagens. Não falo de ganhar pontos de experiência ou passar de nível, mas de algo único, algo que somente poderia surgir da conjunção dos eventos que se desenrolaram durante o jogo!

Este não é um texto contra combos ou otimização, mas a favor da flexibilização das regras e mecânicas por conta da história.

Evolução multidimensional

O que eu chamo de Evolução Multidimensional não é um conceito novo de design de jogos e tão pouco alguma novidade. É na verdade algo bem antigo e até comum na mesa de muita gente, mas que pode ter passado batido da sua. Falo da possibilidade dos fatos oriundos da narrativa do jogo alterarem ou influenciarem as mecânicas e regras que agem sobre os personagens.

Na maioria dos jogos a evolução se dá em dimensões pré-definidas pelas regras. Em uns você realiza “saltos evolutivos” que lhe trazem um pacote fechado de melhorias, em outros você recebe pontos para comprar novas caraterísticas ou melhorar as existentes. Seja como for, raros são os jogos e/ou narradores que incentivam uma evolução para fora deste escopo.

Eu sei que muita gente faz personagem pensando no seu futuro e planejando o seu “end game“, tudo conforme as regras de evolução do jogo. Entretanto, todo este planejamento não pode levar em consideração os eventos da aventura (até porque ela nem começou, fora as mortes “prematuras”). Nada contra quem curte “builds” e combos, mas eu encaro a evolução apresentada nas regras como o caminho comum, mas não o único caminho, pois os eventos da aventura podem reservar coisas novas!

Quem fica estudando magia em casa nunca chegará aos pés daqueles que cruzaram os planos de existência lendo grimórios ancestrais, roubando segredos de outros mundos e servindo a entidades sobrenaturais!

Quando os jogadores me questionam sobre o mago de D&D ser fraco no inicio do jogo eu sugiro que eles parem de mimimi e façam pactos com demônios, barganhem com criaturas sobrenaturais, saqueiem as tumbas dos reis bruxos e sacrifiquem tudo que estiver ao seu alcance em troca de poder! Brincadeiras a parte, se não conseguem se virar com seus recursos, que corram atrás de outros! Isso vale para qualquer tipo de personagem em qualquer tipo de RPG. Se você quer algo, corra atrás!

Tudo tem um preço

Outro dia vi alguém falando que não entendia o motivo de um mago virar Lich. Magos teriam acesso a magias fortes e poderiam ficar muito poderosos sem a necessidade de um aspecto asqueroso de defunto ou algo assim.

Esqueçamos o aspecto de vilania em torno dele e enxerguemos o Lich como um personagem interpretado por um jogador. Este jogador não estaria satisfeito com a progressão “lenta” ou os limites impostos pelas regras de evolução e por isso começou a procurar outros meios de obter poder. No final ele conseguiu… pagando um alto preço, mas conseguiu!

 

Esse é o mago do filme Rei Arthur, a lenda da espada. Ele sacrifica entes queridos para ficar assim, fuderoso!

 

É fácil falar sobre magos buscando mais poder ou caminhando para “fora da caixa”, mas isso vale para qualquer tipo de personagem. Um guerreiro poderia ter seu “corpo fechado” após um ritual de feitiçaria que o deixaria viciado em drogas mágicas; um ladino poderia ser extremamente sortudo por conta de seu caso com a deusa da sorte, se tornando alvo de sua ira ciumenta; um monge poderia treinar por um ano para aprender um hadouken, mas isso lhe custaria uma rotina de asceticismo e votos restritivos rigorosos para o resto da vida.

Eis aqui o elemento que eu julgo necessário para agradar a gregos e troianos… o custo!

Se a história vai lhe presentear com algo irado e único, será que não valeria a pena pagar por isso? Talvez não com os meios “normais” de pagamento, mas nada mais justo que um contrapeso. Sem dor não há ganho, sem sacrifício não há glória e sem risco tudo fica tedioso.

Seja como for, minha ideia é que o mestre não proíba nada, mas apenas apresente um outro caminho, com um outro tipo de custo. Não vai custar pontos de experiência, mas talvez custe pontos de atributo, ouro, serviços ou até mesmo a sua alma!

Na real, o jogador nem precisa saber o que vai obter da história, mas apenas o fato de que ele será distinto, já vai aguçar seu interesse. Um dos meus jogadores já começou as barganhas com capetas e nem sabe o que isso vai lhe gerar… creio que desgraça, mas você acompanhará tudo nos reportes aqui na GdM.

 

Resultado de imagem para goku treinando

Goku treinando em gravidade aumentada acelerou seu progresso! Malandrão

D&D 5 e as inspiradoras “outras recompensas”

Vale aqui uma nota para a sessão de “outras recompensas” do capítulo de tesouros do livro dos mestres de D&D 5. Eu adorei a parte sobre blessing e charm (bençãos e dons, numa tradução livre), pois casa com o que eu estou defendendo aqui. Lá eles trouxeram umas regras pra balizar essa questão e você poderia dar uma conferida pra entender melhor, mas acho o conceito válido para qualquer sistema.

Dois exemplos irados retirados direto do livro:

“um mago que encontrou um segredo místico em um grimório de um arquimago morto poderia ser infundido com a mágica de um dom, assim como um personagem que resolveu o enigma de uma esfinge ou bebeu de uma fonte mágica. Criaturas lendárias, como dragões de ouro anciões e unicórnios, as vezes, agraciam seus aliados com dons e alguns exploradores encontram-se dotados de algum um dom após descobrirem um local, há muito perdido, que é cheio de magia primordial”

“Um personagem deveria receber uma bênção de uma divindade por fazer algo realmente importante – uma realização que chame a atenção tanto dos deuses quanto dos mortais. Matar gnolls furiosos raramente garantiria tal bênção, mas matar o sumo sacerdote de Tiamat enquanto ele tentava invocar a Rainha Dragão deveria.”

O Poder ilimitado não está nos features das classes, combos ou nos pontos de experiência, mas nas tretas que arrumamos dentro do jogo.

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Deixa acontecer naturalmente

Desapegue um pouco das regras e deixe os eventos do jogo conduzirem as coisas. Como diz a música “Deixa acontecer naturalmente”. O caos vai trazer coisas iradas e umas meio loucas, mas com certeza serão coisas únicas compartilhadas somente por você e seus amigos da mesa.

Meu conselho aos jogadores é que busquem mais do que apenas “passar de nível”, mas que mergulhem na história e se deixem levar pelas possibilidades. Se quero ter um personagem diferente, único e fora da curva,  poderia seguir por caminhos que os outros não seguiram. É por isso que eu entendo o motivo de alguém que se torna um Lich e busco também construir um caminho diferente e maneiro!

Meu conselho aos mestres e narradores é que não inibam as tentativas dos jogadores, mas os incentivem! Coloque desafios árduos, mas gratificantes  e estimule os jogadores a agirem sem fixação nas regras, mas na criatividade. Por isso, seja um juiz imparcial e incentive o tipo de comportamento que espera deles.

Não facilite as coisas nem entregue nada de mão beijada. Jogadores não valorizarão e você banalizará o que deveria ser épico…o desenvolvimento de personagens únicos.

Seja como for, experimente o novo e compartilha com a gente as loucuras que rolarem por ai…

Abraço

 

PEP

 

 

 


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