Adentramos o Vale do Trovão e gostamos do que vimos!!

Por mais estranho que possa parecer, é impressionante como ainda existe preconceito quanto a atuação feminina dentro do mundo do RPG. Portanto, é com muita satisfação que eu, mulher, faço a resenha deste belo material – A Relíquia do Vale do Trovão – de autoria de Franz Andrade e Elisa Guimarães e desenvolvido por uma equipe feminina.

A aventura para Old Dragon foi lançada pela REDBOX EDITORA em agosto de 2018, em pré- venda, e foi projetada para 4 a 6 jogadores de 1º a 3º nível. Se passa no Vale do Trovão, cenário que mescla fantasia medieval sombria com uma (grande) pitada de horror cósmico, tendo a obra de Lovecraft como sua âncora mitológica. Aliás, as referencias aos mitos de Cthulhu, demonstram o conhecimento e revisão atenta das autoras em relação a obra citada, usando inúmeros monstros, lugares, objetos dentre outros elementos do mundo lovecraftiano  com habilidade e evitando com maestria os vícios e preconceitos visíveis na obra do próprio autor.

Assim como fiz noutras vezes, organizo minha resenha a partir da tétrade elementar de Schell (2008), dividindo em Tecnologia, Estética, Mecânicas e Narrativa.

Tecnologia e Estética – Mantendo o padrão esperado

Como de praxe deste tipo de editorial da RedBox, é um encadernado brochura, tamanho A5, capa colorida flexível, 80 páginas internas preto e brancas, impressão de ótima qualidade. De cara pode-se observar o belo trabalho de ilustração de capa de Lourdes Sampaio, mantendo o padrão das excelentes ilustrações apresentadas pelos produtos da Editora. O mesmo pode ser dito dos desenhos da parte interna, desenvolvidos por Carol Pontes e Carol “Lótus” Maciel.

A diagramação segue o padrão da editora com algum ajuste para o suplemento em si e apresenta um ou outro problema de revisão, passível de acontecer com qualquer material, e que não prejudica o todo do produto.

Em alguns momentos, me pareceu que as ilustrações internas não conversavam totalmente com a descrição textual, causando certa estranheza. Isso, imagino eu, por possível falta de permissão de acesso das ilustradoras à totalidade ou quantidade suficiente de texto descritivo.

Mecânicas – Nos vales da insanidade!

O foco das mecânicas específicas é, em sua maioria, em como adaptar as consequências do horror, delírio e loucura, típicas da proposta dos mitos de Cthulhu, tratados como teste Insanidade e Mácula, depois tratado como teste de colapso e teste de tristeza profunda (o que deixa um pouco confuso).

Regra opcional: Teste de Insanidade e Mácula, página 19

De fato, o contato com situações aterradoras pode ter consequências terríveis. Neste caso, as consequências mecânicas são bem pesadas para personagens de 1º a 3º nível, maaaaas, como bem sabemos, isso aqui é old school… Contemos com o bom senso do mestre. Ou não… Boa, Elisa! 😉

Narrativa – A Relíquia do Vale!

Quando abri para ler, esperava encontrar de início a apresentação da ambientação do cenário ou introdução à temática da aventura, porém não foi isso o que encontrei. Grata surpresa. Deparo-me com um belíssimo trabalho em prosa que se torna o grande diferencial do suplemento.

Certamente, narrativa é ponto forte d’A Relíquia do Vale do Trovão!! A narrativa acompanha todo o suplemento colaborando com a manutenção do tom de horror intencionado com a aventura. Certamente, os contos apresentados como ambientação do material pedem por continuação, seja da própria aventura ou em publicação específica.

Outro ponto positivo, é que o suplemento deixa claro que não é necessário segui-lo necessariamente em relação à história proposta, mas sim, propõe uma série de ganchos e mini plots e quests que podem ser inseridos em qualquer campanha ou cenário não específico. Organizado em diversas possibilidades de eventos, há ampla possibilidade de maleabilidade, sempre com grande teor narrativo, ambientado pela hábil escrita de Franz.

Quanto à cadência narrativa da aventura em sai, percebi um problema na passagem do Ato 2: Sussurros, Sombras e Horrores, para o Ato 3: Na Montanha da Loucura. A conclusão do Evento 4: O Coruchéu Abandonado, em sua descrição, parece não apresentar perspectiva de continuidade da aventura, caso decidam ajudar o vilarejo e Maral, pulando de forma abrupta para o Ato 3 ao virar da página 50 para 51. Algumas, possibilidades interpretativas existem, mas ficou confuso, fora, um trabalho tão rico em descrição narrativa, se abster disso sobre o caminho do vilarejo até Mahkra, o grande objetivo da viajem dos aventureiros.

Finalizando – uma palavrinha com uma das autoras…

Antes de mais nada: A Relíquia do Vale do Trovão é um suplemento maravilhoso. Franz e Elisa fizeram um trabalho excepcional em unir habilmente a estrutura de uma aventura com a sutileza narrativa de um conto, fazendo com que a imersão no cenário torne a experiência mais vívida e divertida. Além disso, demonstram conhecimento e domínio sobre a fonte de inspiração utilizada, trabalhado a referência de forma inteligente, criativa e respeitosa.

No dia 05 de outubro, tive o prazer de encontrar pessoalmente a querida Franz Andrade – que é um amor de pessoa – em João Pessoa e conversei um pouco sobre este trabalho com ela (a Elisa teve problemas e não pode ir no dia, snif, snif), inclusive comentando alguma das questões citadas acima. Franz comentou que o texto original continha mais de 100 páginas, mas por impossibilidades editoriais (comuns em tempos de crise, infelizmente) não puderam entrar em sua integralidade. Uma das questões comentadas é exatamente a descrição do caminho de Maral até Mahkra, incluindo algumas localidades geográficas que tem inclusive o nome citado no livro, como o Pântano das Orquídeas Fantasmas.

Não é a descartada a possibilidade desse material ainda ser lançado de forma extra… fica aqui a torcida! Porém, mais do que esse material suplementar ao cenário, a autora explicitou uma vontade de ampliar a ambientação com uma série de contos. Já vimos que a prosa de Franz é maravilhosa… RedBox, nunca te pedi nada… hehe

Referências

 

ANDRADE, Franz. GUIMARÃES, Elisa. A Relíquia do Vale do Trovão. Rio de Janeiro: Redbox, 2018.

SCHELL, Jesse. The art of game design. Boca Raton: CRC Press, 2008.


Publicidade