Sabei, ó príncipe, que entre os anos em que os mares engoliram a Atlântida…
Essa postagem é inspirada nos jogos Espadas Afiadas & Feitiços Sinistros, Dungeon Crawl Classics, Companhias Mercenárias de Belmonte e Blade of the Iron Throne.

A cunhagem do termo foi criada por volta de 1960 e atribui-se a Fritz Leiber (autor da obra Lankhmar) sua origem, a pedido de Michael Moorcock (responsável por Elric). Todavia, as origens desse gênero vão além desta data.
Em 1956, um grupo chamado Hyborian League foi fundado para preservar a memória e o trabalho do autor Robert E. Howard (o criador de Conan), já que o finado escritor ergueu sobre os alicerces literários da fantasia, uma nova visão da fantasia que trazia uma reinterpretação do guerreiro que luta contra forças do Mal.
A criação de mundos imaginários é algo que está presente na literatura e mistura-se com mitologias, lendas e projeção do futuro. Barsoom, que veio 20 anos antes pelas mãos do autor Edgar Rice Burroughs não trazia magia em seus escritos, porém a atmosfera de ciência avançada preenchia a lacuna do “estranho”.
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Foi na revista Weird Tales, onde os autores dos gêneros Pulp e Espada & Feitiçaria firmaram seus trabalhos que só ficariam famosos para o público geral anos depois.

Com traços característicos fortes, onde personagens resolviam seus embates através de força de vontade contra uma força maligna opositora; estando a margem da sociedade ou sendo forasteiros e a motivação pessoal acima dos problemas do mundo, o gênero de Espada & Feitiçaria moldou diversos aspectos do RPG de fantasia original.

Utilizarei alguns tópicos gerais para discutir alguns pontos relevantes.

1. O Mundo de Espada & Feitiçaria
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Viver aqui é difícil. A violência impera e crueldade faz morada no coração dos homens. Grande parte do mundo não segue um senso de leis, devido a ausência de uma grande autoridade ou que são fracas demais para manter a ordem. Regimes ditatórios e corruptos interessados em nada mais que perpetuar sua continuidade imperam sob os homens comuns.
Daí surgem os rebeldes, a guerra e os bandoleiros. A brutalidade vem de todos os lados, não há monopólio do derramamento de sangue. Do povo comum, pouco se vê reação a ordem do mundo, o senso de conformidade e desalento assombra as massas. Mesmo que pessoas decentes existam, são figuras quietas e que dificilmente desafiariam a corrente dessa maré.
É um lugar trágico de se viver. Ameaças batem à porta todos os dias e experiências que arruinariam diversas vidas são causadas frequentemente fruto de violência e busca por poder.
A resposta para esse mundo é egoísta. Sobrevivência, avareza e fatalismo. Uma combinação desses três ingredientes é fundamental para lutar contra esse panorama decadente.

2. Fé e o Divino
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Manifestações divinas não são vistas. Sacerdotes estão em seus templos, estudiosos da ordem das coisas estão por aí, mas não há um recipiente de forças sobrenaturais que abundam em Luz e Paz. Nada de magias divinas e milagres são apenas lendas, mecanismos de perpetuação de fés falsas e ignorância. As entidades que possuem poder e as emprestam para seus servos, são antigas, celebram o caos e seus verdadeiros nomes são esquecidos até mesmo pelo mais fiel entre seu séquito. E mesmo assim, aqueles que ousam usar desses poderes pagam altos preços.
A religião principal apresentada pode ser monoteísta, mas a abundância de povos diferentes nos leva ao politeísmo, onde práticas religiosas se misturam e é comum a adoração a mais de uma entidade. Sacrifícios são comuns. Oferecer um primogênito, matar quatro cabras, o sangue de 20 escravos…e por aí vai. A intervenção divina é um ato obsceno e repleto de obscuridade, acontece em locais remotos e pune os incautos que perturbam os velhos deuses. A falta de fé é comum entre os protagonistas, mesmo entre os mais religiosos como visto em Solomon Kane.

3. Magia e o Sobrenatural

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Thulsa Doom por Rafael Danesin

Conhecimento místico é raro. Práticas esotéricas são vistas com superstição e crendice popular.
Porém magia é real, mas com sérios complicadores atrelados a si. A compreensão dessa arte alienígena, drenada de forças anônimas e perversas, é danosa a mente e a alma humana. Quão mais poderoso um ato de feitiçaria, mais brutal ele será. Rituais envolvendo sacrifícios, dizeres em idiomas que parecem não fazer sentido algum na vocalização dos homens e que atraem uma escuridão interestelar sobre aqueles que ali estão, são um perigo imensurável. Apenas aqueles que possuem verdadeira força de vontade e disciplina conseguem obter êxito em dominar tais segredos arcanos.
Conversar com os mortos, viajar através de portais pelo mundo, escravizar a mente de pessoas e infestar lotes de terra com pragas é algo perpetuado pelos bruxos. Comandar o tempo, causar alucinações aos moradores de um palácio e convocar demônios para se ajoelharem em servilidade pode parecer simples, mas esses eventos repercutirão no mundo. Dizem até que os mais poderosos podem com um gesto convocar um terremoto e engolir cidades com sua magia vil.
Itens de poder como a Excalibur e o Santo Graal alimentam a criação de itens maravilhosos por parte dos autores, mas todos eles trazem uma piada de mal gosto que irá consumir o usuário desses itens.

4. A questão racial

Arte por Antonio J. Manzanedo

Raças não-humanas podem estar presentes nesses cenários. Mas humanos são as lendas e seres que abalarão a ordem das coisas por aqui. Raças alienígenas e etnias de homens assumem papéis diversos, mas nenhuma é intocável. Todas são repletas de falhas, problemas e apresentarão aspectos que entrarão em choque com alguma ordem estabelecida pela sociedade. O papel do não-humano em uma história de espada e feitiçaria, flerta com o item mágico, sempre com uma aura de estranheza e medo ao seu redor. Monstros também são vistos dessa forma e serão temidos, causando alarde por onde passam. Pensem no Conde Drácula em termos de importância, esqueçam a banalidade de avistar um bando de orques nesses jogos de fantasia moderna.
São horrores singulares que ameaçam de forma real os nossos protagonistas e que darão trabalho para morrer. Resolver um mistério sobre a origem da criatura é comum para só então conseguir forçar a criatura a cruzar com o caminho da Morte.
A resposta a um primeiro encontro com um novo povo, monstro ou vilão será sempre correr o mais rápido possível! Caso contrário a morte é certa.

5. Heróis

Fafrd e Gray Mouser por Alex Chen

Apresentam diversos portes físicos e tamanhos. Elric é esguio, doente e repleto de feitiçaria em suas veias. Já Conan é um alazão de sangue forte, imparável por homens…enquanto Gray Mouser vai sempre se esgueirar pelas sombras, sem revelar do que é inteiramente capaz.
Nossos heróis são estrangeiros, foras da lei ou a escória da sociedade. Um alienígena ou prisioneiro. Sua linhagem sanguínea deve ser importante na maioria dos casos, fazendo conexão com uma história perdida que merece ser desbravada. Os chefes político e membros das altas classes sociais o verão como uma ameaça ou violação da sua posição e buscarão desacreditar seus feitos. Através de luta e ardil eles se manterão de pé. Por virtude se imporão em uma região. Encontrarão companheiros de armas e se apaixonarão por figuras similares. No fim do dia, tudo isso será ameaçado e a forma que lidam com isso que torna suas vidas emocionantes. Desafiar deuses e reis é irresponsável, mas eles assim o farão. Ação é a palavra chave de suas vidas. Não serão paralisados pelo medo, se movendo e pensando rápido com frequência.
Violência não é seu principal meio de resolução de conflitos, mas volta e meio pegaram em aço para resolver seus problemas. Seus desejos e metas são a principal motivação de seus feitos, o certo nem sempre será seu caminho.

6. Contando histórias de Aço & Feitiço

Arte por James Beihl

Nesse tipo de fantasia, nossos heróis não usarão armaduras polidas e reluzentes, montados em belíssimas montarias – não é nenhuma surpresa.
Nunca veremos uma história sobre salvar o mundo, aqui a motivação é pessoal. Seja vingança, salvar seu próprio traseiro ou chamar atenção. Consequentemente, os antagonistas serão competidores de ambições similares aos nossos heróis, com traços peculiares e que simplesmente acabaram cruzando caminhos.
Pode ser que o antagonista esteja protegendo as pessoas a sua volta, enquanto que o impulso da narrativa vá de encontro com isso, causando um choque social que gera um conflito.
Monstros e ambientação são diversificados, apresentando traços exóticos e que trarão um sabor especial ao cenário. Monstros que não morrem e ruas escuras de uma cidade amaldiçoada, um reino cercado pela guerra, palácios e suas torres altas, o acampamento de uma companhia mercenária, um navio pirata em alto mar, um conflito na beira do mundo conhecido, caravanas de escravos, campos de refugiados e paisagens paradisíacas são exemplos do que encontraremos. Ruínas das antigas civilizações, templos abandonados de entidades esquecidas pelo tempo, uma ilha não mapeada, a cripta assombrada do antigo monarca, a prisão de um mau ancestral e lugares hostis comumente farão presença, locais isolados que não farão parte da sociedade e estarão em locais fora da civilização. Lutas serão velozes e furiosas, não há lugar para extensos diálogos e intriga palaciana. Um senso de urgência e tensão deve pairar no imaginário por trás da mente dos personagens todo o tempo. Um bom Juiz do Jogo não permitirá horas de discussão, preparação, espionagem e permanência em lugares seguros. Eventos excitantes devem avizinhar momentos de calmaria.
O mundo de Aço & Feitiço não é seguro, heróis são frutos do acaso e não há um chamado místico para tomar um lugar entre as lendas. O mesmo serve para os que cometerão atos de vilania, mesmo que o conflito com os personagens aconteça, NPCs devem possuir sua própria agenda de acontecimentos que forçarão atos e decisões.

Na próxima postagem, dicas de como conduzir uma mesa de Espada & Feitiçaria!


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