Neste post vou dividir minhas opiniões sobre algumas das mecânicas do Savage Worlds. Quais eu mais gosto tanto em termos de game design, quanto pela praticidade que me trazem como narrador.

Para quem não conhece, o Savage Worlds é um jogo de RPG que já tem uns bons Km rodados: foi lançado em 2003. Nesses 17 anos de história a comunidade ao redor do jogo só cresceu, com: diversos cenários em parceria com editoras externas, as famosas “plot-point campaigns”, kits para adaptações medievais, horror, ficção científica, dentre outras. Neste post espero mostrar algumas das razões para esse sucesso.

No Brasil, a Retropunk, detêm os direitos de tradução.

Agora veremos as 5 mecânicas centrais que, na minha opinião, são responsáveis por ele ser um sucesso.

1 – Fluxo de Bennies

Diversos outros jogos usam coisas similares como pontos “heróicos”, “Karma”, “Destino”. Mas, aos meus olhos, bennies são um destaque entre eles, e explico porque. O bennie é um recurso distribuído em momentos fundamentais para a experiência de jogo: aqueles de maior diversão. Além disso, eles são impactantes o suficiente, no aspecto mecânico do jogo, para que os jogadores possam realmente se sentir recompensados ao recebê-los – em outras palavras, bennies são bons o suficiente para serem “desejados”.

Essas “moedinhas” são dados a cada jogador no início da sessão – apesar de algumas regras poderem alterar isso. Guardar eles entre uma sessão e outra não funciona: a ideia é gastar o que conseguir, e ganhar o máximo possível!

Eles são conquistados por um jogador quando:

  • – A mesa toda riu do ocorrido na história
  • – Todos se empolgaram com a cena protagonizada por ele
  • – Tira-se um “sucesso crítico” na ordem de ação (todos recebem um bennie como comemoração, e aumentam suas chances de vencer o conflito)

Veja a expressão deles. Certamente ganharam uns bennies ! Seriado: Stranger Things

Esse é o diferencial chave dos bennies comparados à outros pontos de “sorte”, eles surgem quando todos estão se divertindo e/ou tem motivos para ficarem empolgados. Receber uma recompensa exatamente neste momento de engajamento é uma validação para todo grupo: eleva o “astral” do jogo, empolga, e cria vínculos emocionais saudáveis entre os jogadores. Um acerto para o design.

Elas são consumidas quando:

  • O jogador insatisfeito com o resultado de um teste possa repeti-lo*
  • Evitar que algum personagem da história morra**
  • Algumas outras situações relacionadas às regras de cada cenário.

* Não é qualquer teste
** Ele ainda estará em apuros (desapareceu, está desmaiado, etc)

Harry Potter: Final Battle (played with Carmina Burana) | Best ...
Se Harry tiver bennies, tá gastando todos agora!

Outros uso é a criação de elementos da história. Isso é feito em diversos outros jogos e aumenta a qualidade de uma sessão. O grupo está sem pistas? Que tal inserir uma intervenção para ajudá-los? Se derem 3 bennies, recebem uma ajudinha do universo. Por exemplo, um telefonema anônimo. Agora sabem o local em que o antagonista que estavam perseguindo está escondido.

Bennies são um acerto no game design! Especialmente pela forma como são distribuídos.

A mensagem final sobre os bennies é essa: eles são recompensas para bons momentos do grupo de jogadores, que os ajudam a criar um ciclo de diversão se arriscando mais ainda em aventuras. Se o jogador tem 2 bennies, seu personagem Ivan não ficará parado, ele vai pular entre os vagões do trem! Por isso gosto deles: empoderam os jogadores para criarem histórias mais incríveis, e cheias de adrenalina.

2 – Dificuldade fixa

Exceto em meia dúzia de casos, os jogadores sempre rolam as perícias de seus personagens contra a dificuldade padrão 4. Quer pular a cerca? Role um dado. Se deu 4 ou mais, você pulou. Fim das regras. Deixe cada jogador novato rolar um teste, usando uma perícia de sua ficha. Verificou que aprenderam? Você está pronto para narrar. Quando você precisar de outra regra – se precisar – você a explica. Elas também serão igualmente simples.

NORTHSIDE: Add-Counting with Legos (For Grades K-2 ONLY) | Kids ...
Iniciantes conseguem começar a criar mais facilmente, com regras simples.
Esta dica é especialmente importante ao narrar one-shots em eventos.

Ideal para novatos e crianças

É comum depois de alguns anos como narrador que você seja procurado para narrar, seja por grupos iniciantes, em eventos, ou para aquele amigo interessado em conhecer o hobby. Em ambos os casos, ter regras centrais tão simples como essa, e como a do vindouro Black Troopers, são uma maravilha.

No geral é muito fácil perder o interesse de iniciantes – principalmente crianças e adolescentes em idade escolar, caso você seja um professor começando a usar jogos em suas aulas. Convém evitar regras de jogo complexas em qualquer primeiro contato. Uma vez que a pessoa se interessou pelo hobby, ótimo. Aí o céu é o limite, e tragam trezentas tabelas de Gurps, por favor. Mas até esse momento chegar, quanto mais simples melhor.

Prepare for the Apocalypse - Part 2 - Warhammer Community
Se torna muito mais rápido narrar cenas com diversos personagens!
Batalhas de Warhammer 40k podem estar na sua mesa, toda semana.

Escalonamento facilitado

Aumentar a perícia de um personagem muda o dado rolado, ao invés de adicionar modificadores. Isso, junto com a dificuldade fixa cria um outro excelente aspecto: conduzir cenas de 10 – 20 personagens é muito mais fácil que o usual. Basta rolar os tais 20 dados, de quaisquer número de faces que sejam, e os que resultaram em 4 ou mais são sucesso. O narrador já pode narrar o desfecho de toda a rodada, e manter o jogo dinâmico. Cenas assim poderiam demorar horas em outros sistemas de regras – tente fazer uma batalha 20×20 no falecido Dnd 4.0 e me conte como foi.

Shane Hensley, o autor de SW, usa o slogan Fast-Furious-Fun por este tipo de característica do jogo.

3 – Curva de probabilidade

Muita coisa acontece para favorecer (ou não) estilos de história ao usar um conjunto de regras. Bons game designers devem estar cientes dos impactos que ajustar um valor numérico fará. E calcular algumas probabilidades pode sempre dar um insight sobre isso. Um sistema de regras de saúde ou insanidade muito severo faz os personagens dos investigadores em um jogo Lovecraftiano serem extremamente cautelosos, por exemplo.

Voltando à mecânica central do SW, dissemos que sempre se rola um teste contra dificuldade 4. O que varia de um personagem para outro é o valor da perícia utilizada – ou número de faces do dado. Abaixo, em ordem crescente, estão os possíveis dados que um personagem pode ter em um atributo. Ao lado estão as chances de ele obter sucesso ao fazer uma ação relacionada.

Dado Chance de sucesso
d425 %
d650 %
d863 %
d1070 %
d1275 %

Repare na discrepância do início da progressão com o final da mesma. Leve isso em conta no momento de criar seus personagens. Pense duas vezes antes de deixar seu investigador com 1d4 em percepção para colocar todos os seus pontos em 1d12 de pugilismo. Você estaria em apuros com seus míseros 25% chance de perceber o perigo à seu redor.

Modificadores

Outra peculiaridade deste sistema de testes são as adições de modificadores – que existem, mas em poucas situações. Geralmente elas são limitadas a +1 e +2. Em Savage Worlds eles são números mais significativos do que ter +1 ou +2 em um sistema d20. Até um personagem com d4 fica bastante eficaz com um bônus de +2, se igualando à um d12 simples! Veja as mudanças.

Dado +2 Chance de sucesso
d475 %
d683 %
d887 %
d1090 %
d1291.6 %

Perceba por fim que em ambos os casos, uma vez atingido o d8, o personagem finalmente já é bom acima da média naquilo, e de resultados comparáveis aos estágios d10 e d12 de proficiência. Construa personagens com d12 ou mais pontos investidos apenas quando for parte bem essencial do conceito dele.

Os PJ saem mais equilibrados, com diversos talentos distintos, ao invés de focados em apenas uma função.

4 – Não ter HP (Pontos de vida)

Em grande parte dos jogos temos os chamados pontos de vida. Some, faça subtrações, apague e escreva quantas vezes precisar. Esse registro precisa ser feito, ou existem alternativas?

Créditos da imagem: Acarajés e Dragões.

Ao invés de pontos de vida, em SW temos a seguinte situação: o dano causado por um ataque é comparado com a Resistência do oponente (termo abstrato para quão protegido ele é, independente se é através de um campo de força, ou de várias placas de titânio).

Dano Efeito
Menor que a resistência do alvoNada ocorre
Até 3 pontos acima da resistênciaAlvo fica “Abalado”
Além de 4 pontos acima da resistênciaAlvo fica “Abatido”

*Alvos abalados são sempre abatidos se o dano supera a resistência.

Essa mecânica me agrada por economizar o tempo de sessão, já que como narrador não preciso calcular HPs, somando em colunas, os ferimentos de cada antagonista dos personagens. Principalmente nos conflitos com dezenas de oponentes, essas pequenas economias de tempo somadas geram uma grande diferença na duração de uma cena.

5 – Kit de customização robusto

Customizar as magias de DarkSun permite que ele, como cenário, tenha um “feeling” diferente de Senhor dos Anéis, Greyhawk, etc. No momento de começar uma nova campanha, a customização dos Setting Rules (ou regras de ambientação) é fundamental. É aqui que o tom da narrativa poderá ser modificado. Dê um foco à isso. Poucas engrenagens do sistema de regras do SW são “importantes demais para serem modificadas”, então se sinta livre para modificar.

Mexer nas mecânicas é fácil, e pode deixá-lo com um ritmo totalmente diferente

Nesse momento o narrador conseguirá deixar seu jogo mais mortal, ou mais inconsequente. Alterando as regras de bennies, de ferimentos, de rolagens de dano e algumas outras engrenagens, o narrador consegue tornar o pacote tradicional do SW – heróis maiores que a vida, aventurescos, ousados – em um pacote gritty noir que deixe os jogadores contra a parede o tempo todo, ou um jogo de horror com jogadores cheios de receio de cada inimigo, cada sombra e pesadelo.

Generalista

Outro motivo para redobrar a atenção no momento da customização: Savage Worlds usa termos genéricos para suas magias/poderes. Então é especialmente importante lembrar-se de criar as perícias místicas/tech/mágicas de seu cenário de jogo.

Realmente customizá-las, definindo coisas como: a forma como esses poderes são vistos pelas pessoas comuns, se qualquer um pode ter acesso à esses poderes, ou apenas personagens específicos (i.e. elfos, vampiros). Quais efeitos adicionais os poderes terão? Precisam de algo para ser ativado? Ou apenas em locais específicos podem ser canalizadas?

Tomem esse cuidado se quiserem melhorar a atmosfera de imersão: seus jogadores agradecem. Evocar a “Chama da Fênix Desperta” com as tatuagens ancestrais servindo como canalizadores de poder cósmico é muito mais interessante do que “soltei um blast”. O sistema de regras é genérico, seu jogo não.

Recomendo especialmente o Savage Worlds Fantasy para sugestões de como deixar os poderes mais icônicos e integrados à narrativa da magia de um cenário.

É isso ai pessoal, essas foram as 5 regras que mais curti no jogo. E vocês? Concordam ou tem outras?

Abraços

Rodolfo Maximiano


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