Tenho o costume de reler meus textos antigos para me auto-avaliar e normalmente percebo o quanto eu mudei, tanto de opinião quanto de gostos. Entretanto, hoje venho falar de algo que eu refletia em 2011 e ainda hoje penso da mesma forma.
Com o passar dos anos, amadurecemos bastante, tanto em questão de conhecimento de regras, como culturalmente, posto que aprendemos muito pesquisando vários assuntos para preparar uma aventura. Porém, tem algo que me incomoda muito e eu acho que pode ser visto como um traço de imaturidade de alguns mestres: Exigir demais dos jogadores quando apresentam algum desafio que não se resolve na porrada!
Enigmas, charadas, poemas, monstros com pontos fracos, quebra-cabeças, toda sorte de puzzles e armadilhas são ótimas ferramentas de trama e desafios enriquecedores para uma aventura de RPG, mas você não deveria atrelar a conclusão da aventura a estes elementos, pois desvendar tais mistérios em meio a tensão e caos do jogo pode ser bem complicado e o que deveria ser o diferencial da diversão, se torna um aborrecimento prolongado.
Para o mestre a resposta é sempre fácil, óbvia e muito simples,
afinal foi ele quem elaborou o desafio e por isso a solução parece tão na cara.
Não é divertido ver uma sessão parar por horas por conta de uma charada ou algum outro ponto cego, pois isso traz irritação a todos na mesa. Estes pontos cegos lembram aqueles momentos nos RPG de video game onde você não sabia mais o que fazer. Para evitar que seus desafios virem um tiro no seu próprio pé, eu deixo aqui algumas sugestões, láááá de 2011:
Deixe os dados decidirem
Eu sei que não é a solução mais Old School do mundo, mas em alguns casos você poderia usar testes de perícias ou de atributos para decidir se os personagens conseguem a solução de um enigma; percebem um padrão no puzzle ou o ponto fraco do monstro. Confesso que isso sacrifica toda a graça do desafio, mas faz o jogo andar e é isso que queremos.
Você poderia reduzir ou anular a recompensa que o grupo receberia por superar o desafio normalmente, mas cuidado! Se este desafio for o clímax da aventura você corre o risco de ficar numa sinuca de bico. Por isso, reforço a ideia de que tais desafios devem cumprir apenas um papel secundário na aventura.
Permita o Meta-jogo
Agora vamos a uma dica mais Old School! Não só permita como estimule o meta-jogo! Crie desafios para os jogadores e não para os personagens, assim eles podem contar com as suas próprias perícias. Pode parecer estranha esta ideia, mas é bem divertido ver os jogadores vasculhando suas mentes em busca de respostas que você sabe que já estão lá.
Você pode até permitir que jogadores que não estejam na cena participem, isso leva o grupo a pensar junto e pode até, em alguns casos, oferecer um bônus de experiência pelas boas tentativas. Aqui os desafios são mais simples, mas representam coisas grandiosas no jogo. As vezes uma partida de xadrez, um pedra-pape-tesoura ou um sudoku em 30 segundos pode abstrair o desafio de uma esfinge ou algo mais fantástico.
Não seja binário
É interessante definir recompensas para o sucesso do desafio e ir reduzindo-as conforme os jogadores tentam novamente. Isso oferece mais chances aos jogadores. Por exemplo, um bau de tesouro protegido por uma tranca mágica que só pode ser aberto quando uma charada for respondida corretamente. Você decide que o bau guarda 5000 moedas, e define que a cada resposta errada este valor será reduzido em 500 moedas, até o limite de 5 tentativas.
Você pode até falar isso abertamente se desejar, mas que deixe claro que o dinheiro não esta sumindo do baú, mas que isso é apenas uma mecânica para dar aos jogadores o que eles merecem, ao invés de um desafio do tipo tudo ou nada.
No final, caso abrir o baú seja uma condição necessária ao sucesso da aventura (Espero que não seja!), caso o grupo erre 5 tentativas, você poderia apenas dizer que eles abriram o baú e acharam apenas 500 moedas, uma “penalidade” por não terem conseguido superar o desafio, mas um caminho para fazer o jogo continuar andando. Lembre-se, o jogo tem que continuar!
Não determine a resposta certa, mas as erradas
Uma outra ideia é criar desafios com muitas soluções. Você não vai elaborar um meio de vencer o desafio, mas os meios de perder o desafio. Sim, é melhor saber o que não vai dar certo do que o que vai, pois assim os jogadores não ficariam limitados à sua solução e poderiam elaborar planos novos e inusitados.
Certamente pensarão em algo mais legal que a solução pensada por você! Desta maneira o seu trabalho fica mais fácil, pois se limita a definir o que vai fracassar, deixando as infinitas possibilidades de sucesso por conta dos jogadores.
Entretanto, neste caso é ideal definir poucos caminhos de fracasso. Uma charada simples que não pode ser respondida por um elfo, ou em élfico, um quebra cabeça que não pode ser solucionado de dia; uma armadilha que não pode ser encontrada por meios mágicos e um monstro que não morre com ataques diretos são exemplos de como funciona este estilo de desafios excludentes.
Estimule a criatividade
Não pense duas vezes caso algum jogador apresente uma ideia melhor do que a sua original. Mude tudo! Sim! Mude tudo se durante o desafio uma opinião ou ideia do jogador se mostrar algo muito mais interessante do que seu simples desafio inicial. No final, sempre recompense as boas ideias dos jogadores! Isso incentiva o grupo a ser criativo.
Relato da vida real
Uma vez eu coloquei os jogadores diante de um monstro muito mais forte que eles e que poderia se curar sugando as tochas de fogo azulado (clichê!) que haviam espalhadas pela dungeon. Para minha surpresa, os jogadores desconfiaram da relação do monstro com as tochas, bolaram uma hipótese bem legal e se organizaram para apagar as tochas enquanto lutavam com ele. Por isso eu resolvi mudar tudo! As tochas que curariam o monstro, se tornaram o ponto fraco dele, viraram fragmentos de sua alma. Os jogadores, que não souberam das mudanças, ficaram felizes achando que desvendaram meu grande mistério! Mas na verdade, eu que os agradeço por terem se empenhado tanto em uma ideia que deixou tudo tão mais interessante!
Bem, é isso ai pessoal, depois desta releitura de mim mesmo, deixo apenas um último lembrete:
Um bom GM não espera que seus jogadores pensem como ele,
mas que o surpreendam com ideias iradas e um role play bem divertido!
E você? Como faz?
Como você conduz seus desafios não combativos? Usa algum dos métodos citados aqui ou tem alguma mandinga nova ai pra compartilhar com a galera?
Deixa teu comentário pra gente papear!
PEP
02/10/2017 at 10:45 pm
Só usei esses desafios de enigma em jogos mais old school, então o meta jogo não é problema pra mim. Com relação a rolagens, eu acho aceitável pelo menos dar dicas de acordo com as rolagens caso não fique claro do que se trata o desafio.
Eu usei uma pegada similar no Dungeon World quando os jogadores se confrontaram com um Cubo Gelatinoso que, em princípio, parecia invencível mas, quando um dos jogadores ativou o movimento discernir realidades, só dei a dica que talvez poderiam buscar alqo que ele tivesse medo (pensei em fogo, visto que tinham tochas) e eles logo testaram as tochas e conseguiram atravessar o lugar assim.
03/10/2017 at 6:53 am
Minha experiência mais recente foi também em DW, mas achei meio ruim o desafio pois envolvia uma enorme habilidade meta-jogo que não são todas as pessoas que a possuem. Explico: O MJ colocou um poderoso sátiro e para que ele livrasse parte do grupo que havia sido encantada, tínhamos que contar uma piada em jogo que realmente fizesse o narrador rir (sendo que, segundo o próprio narrador, ele já conhece muitas piadas) e, inclusive ainda tinha o problema de ter que adaptar a piada ao contexto medieval. Ele pediu um teste apenas para que quem tentasse contar a piada se mantivesse na disputa em vez de fazer um teste para ver se colou a piada. Foi bem ruim até porque era por texto (o que já faz muitas piadas perderem a graça). Enfim, ele viu que não tava dando certo e teve que mudar a estratégia de jogo e entregar o desafio com o NPC largando de mão. Fora isso, o jogo foi legal.
05/05/2018 at 3:40 pm
Bacana essa técnica da piada, eu já usei uma vez também, mas eles tinham que atravessar um precipício e para a ponte aparecer tinham que contar uma piada cada um, mas faz tanto tempo que nem me lembro o resultado hehehe, tá na hora de usar esse método de novo…