Olá amigos e inimigos. Hoje venho a vocês falar sobre uma palavrinha que nos últimos anos veio se esgueirando sorrateiramente, mais oculta que um bom ladino, no meio “acadêmico” do RPG, com grande força em nosso mercado nacional. Mas antes de começar a pancadaria, gostaria de deixar uma nota, para algumas criaturas que não conseguiram entender uma característica peculiar da guilda: Avatares! Aqui, todos representam um personagem, basta dar uma olhadinha aqui . Esta criatura que vos fala nada mais é do que um bugbear preso no corpo de um mestre/escritor de RPG. As vezes falamos no plural, as vezes não. As vezes um grita mais alto que outro. Portanto não se surpreenda com surtos de estupidez proveniente dessa criatura.
Agora vamos ao artigo. Vamos falar desta palavra que nós Bugaboo odiamos:
Não diga essa palavra! Só de ouvir eu tremo!
– Simples.
“Uhhhhh”… Diga de novo! (By Shenzi)
– Simples.
“Uhhhhhhhhh”
Ao longo dos anos, nós, jogadores de RPG, e toda a sociedade de forma geral, começamos a ter a vida cada vez mais corrida e cada vez menos tempo para nos dedicar a algo. Obviamente isso trouxe a demanda de uma série de produtos e serviços cada vez mais práticos, e isso também afetou o RPG. E isso faz todo sentido.
Sentido nada! Deixa de ser mole! Não dá margem para eles …
Com menos tempo para preparar aventuras, mestres começaram a procurar cada vez mais ferramentas para facilitar suas aventuras, regras e até mesmo histórias prontas. Jogadores por sua vez também começaram a procurar por mais dinamismo, fugindo de sistemas complexos, e muitas vezes não querem aprender regras mais elaboradas ou se aprofundar mais em um determinado sistema.
Cambada de preguiçosos!!!
Mas tudo isso culminou em um movimento que tem deixado uma mancha no bom e velho RPG de mesa. A palavra simples se espalha mais que a Tormenta, limitando mestres, jogadores e sistemas. Hoje, esta palavra é repetida fielmente em praticamente todo RPG produzido, principalmente no território nacional. Duvida? Procure a auto-descrição dos RPG atuais, ou reviews sobre eles. Esta palavra sempre está lá.
E Bugaboo também tem alguma razão. A geração atual é muito diferente da minha. Em minha época os livros de RPG eram todos em inglês. Traduzíamos palavra por palavra com dicionário do lado. Os sistemas que jogávamos naquela época, como DC Super Heroes 3 e Rift, são considerados por alguns sites e fóruns atuais como sistemas extremamente complicados, com a Tag “impossível” de serem jogados. Sistemas que eu jogava com 14 anos! Esse pessoal deve estar muito preguiçoso mesmo Bugaboo.
Chega a ser engraçado. Em meu trabalho, costumo fazer currículos para clientes. É padronizado que estes clientes coloquem em seus currículos: “boas relações, proativo, pontual, etc”. Está banalizado. Estas palavras são repetidas de forma tão automática que nem mais fazem sentido. Mas voltando ao RPG, acho que é exatamente isso que acontece com a palavra simples. Ela já é um modelo. Na verdade nem ao menos interessa se o jogo é realmente simples ou não; simples é o adjetivo padrão para qualificar o sistema e assim atrair mestres e jogadores para sua suposta facilidade.
Bugaboo achava a vida simples. Comer quem aparecer pela frente e dormir.
Repetir o processo.
Simples!
Mas o quanto será que estamos perdendo com isso? Onde estão os mestres, jogadores e criadores de conteúdo que produzem material rico?
Rico! Esta é a palavra chave para mim. Acho que um jogo rico pode trazer muito mais diversão e imersão para todos envolvidos. Como um escritor e desenvolvedor de sistemas de RPG, é essa a palavra que procuro usar em todas minhas criações. Ao meu ver, o RPG se torna muito mais gostoso com várias opções. Mecânicas que permitem criações únicas. Nada é melhor do que explicar um sistema para um jogador e ver o mesmo imerso em seus próprios pensamentos, imaginando as diversas opções. Ele vai para casa e mais tarde lhe manda uma mensagem dizendo que teve uma ideia fantástica sobre o personagem. Que encontrou opções, combinações para deixar seu personagem mais hábil.
– Bugaboo leu todo o livro. Bugaboo já tem 5 personagens, todos com a build pronta até o nível máximo!
Claro que tudo é questão de escolha e gosto. Você tem todo o direito de gostar e querer apenas material simples. Sentar e jogar sem se preocupar com mais nada. Aprender o mínimo possível e apenas rolar o dado (sim, existem aqueles que se divertem apenas sentando e rolando dado, sem nem ao menos se importar com sistema, história ou personagem). Existem até mesmo aqueles aversos a combos.
– Bugadoo adora combar!
E qual mal há em combar? O jogador explora as mecânicas do sistema e encontra um conjunto de regras que lhe permite otimizar o uso de alguma característica. Isso é simplesmente fantástico! Em parte, é para isso que criadores de sistema, como eu, se motivam a criar cada vez mais regras mais ricas. Para que jogadores possam explorá-las. Para que possam fazer criações únicas. Quem sabe até pensando além daquilo que imaginamos.
Precisamos de mais pessoas com essa motivação. Focados em trazer conteúdo novo, ousado, surpreendente. Fugindo de formulas padronizadas. Com mais interesse em fazer algo BOM do que algo SIMPLES. E quando algo é bom, ganhará seguidores. Talvez menos seguidores, mas com certeza seguidores mais apaixonados, que se dedicam fielmente aquele material.
Aí você vai ver o sistema criado por essa modinha: 3 atributos, vantagens e perícias. Equipamentos. E é isso. SÓ ISSO!
Hahaha sistema? Onde está o sistema? Até Bugaboo faz mais sistema que isso. Com um lápis no pé!
Como nosso próprio amigo Bugaboo pode atestar, não é preciso muito para ver que não há sistema algum ali. E se você encapar isso com uma capa colorida e lançar por alguma editora razoavelmente conceituada, com aquela galerinha conhecida dando apoio, muitos vão achar fantástico! E isso daria um outro bom artigo.
– Haaagh! Vamos falar mal das patotas?! Quando, quando?!
E você deve estar pensando “a esse cara é um afixado por regras”. E você está certíssimo!
Desde de jovem eu via nas regras a possibilidade de enriquecer a jogabilidade em cada sistema de RPG que aprendia, sempre tentando trazer mais, permitir mais. E você pode argumentar “Mas RPG é história, é interpretação, não precisa de regras para ser bom”.
Exatamente! É por isso que regras boas são o diferencial. Cenário e narrativa são abstratos e podem ser bons independentemente do sistema que é jogado. Com uma boa história e interação dos jogadores qualquer aventura será boa, mesmo na “tentativa de sistema” citada acima. Mas e se o sistema também for desafiador? Garanto que a aventura será exponencialmente mais divertida para todos, mestres e jogadores. G-A-R-A-N-T-O-!
Para criar meus sistemas, acabo pesquisando sobre os mais diversos assuntos, e a um tempo atrás, lendo sobre o desenvolvimento de produtos, achei um material bem legal, que segue uma linha de pensamento parecida com esta. Nas palavras daquele artigo: “No final, a simplicidade por si não deveria ser o objetivo. Uma boa experiência deve ser o uso do design para encontrar o que é significativo para o usuário final, e apresentá-lo da melhor maneira possível.”
Para terminar, vou compartilhar uma experiência com vocês. Desde de sempre, meu principal sistema foi Zênite, que começou como um Mod. de AD&D. Zênite foi mudando por muitos anos, com longas campanhas, sendo mais tarde atualizado para as regras da 3º Edição e se tornando cada vez mais complexo. Em determinado momento, Zênite estava com mais de 90 classes (classes completas de D&D, indo do nível 1 ao 20), mais de 300 talentos exclusivos, mais de 800 manobras de combate e 1000 páginas de conteúdo divididos em 4 livros: dois de regras básicas, um de manobras de combate e outro de cenário. Tal grandiosidade, exagerada de fato, afastou muitos jogadores ao longo desses anos, e tornou bem difícil a aceitação do sistema por outros. Mas ainda assim, ao longo de 15 anos de aventuras, posso afirmar que os poucos jogadores que se firmaram, e puderam mergulhar de cabeça nesse sistema, tiveram os melhores personagens que já fizeram em aventuras de RPG, jogaram e passaram pelos momentos mais incríveis, e puderam tirar 100% de um sistema com milhares de opções.
Foram poucos jogadores? De fato, foram. Mas posso afirmar com toda clareza, que valeu a pena, as muitas horas escrevendo esse sistema, e quão gratificante era ter jogadores tão imersos em minha criação. Onde quer que estejam, abraço a todos! Muita saudade daqueles tempos…
Aaaahn não me vá chorar! Você já esqueceu? Zênite irá voltar!!!
Bugaboo ajuda!
Considerações finais
Sem rodeios: Melhorem o conteúdo do RPG Nacional. Temos força e temos talento para fazer melhor do que estamos fazendo. Esqueça o simples e foque no rico!
Desconsiderações finais
Bugaboo, essa é sempre com você. Pega leve, se não sabe que tem mimimi…
Ouviu né zé-simplinho? Quer fazer sistema inventa um negócio bom e vai estudar matemática pra não fazer pior que Orc fazendo conta.
E esquece essa palavrinha maldita! Se eu te pegar falando ….vai levar paulada na cabeça!
Bugaboo
10/10/2017 at 10:25 pm
Concordo completamente. Sempre que sento com amigos para debater RPG, o assunto vem à tona. A simplicidade está tirando a graça dos sistemas. Temos cenários cada vez mais interessantes, com sistemas cada vez mais sem graça.
30/12/2017 at 11:32 am
Para mim BOM não é ser complexo e SIMPLES não é ser ruim. Você pode ter um sistema simples ou “rico”: se ambos não tiverem uma mecânica chamativa, não importa no final.
Um sistema que tiver “3 atributos, vantagens, perícias e equipamentos” pode ser muito mais interessante que um sistema com 400 páginas de regras. O sistema dito “simples” pode ter uma mecânica diferente que prende o grupo para jogar. Eu mesmo já me enjoei de vários sistemas baseados no d20, por exemplo, não por suas regras serem complexas mas sim por achar que é “mais do mesmo”.
Ando muito cativado com o sistema do Dragon Age: simples (sim, simples) e extremamente divertido. A ideia dos pontos de façanha deram um toque especial. Tire isso do sistema e ele se torna “mais do mesmo”.
25/01/2018 at 12:35 pm
A simplicidade dos sistemas atuais tem o seu propósito que é cativar novos jogadores e também trazer os antigos de volta a mesa (o meu caso). Voltei a jogar com Old Dragon, um sistema muito simples e com regras que me fazem torcer o nariz devido a simplicidade. Após alguns níveis fica visível a falta de recursos e a sensação de evolução do personagem parece superficial demais, tanto em regras quanto opções de interpretação. Um ataque é sempre um ataque e nada mais. Com a nova edição essa limitação foi melhorada com novas características de classe, mas ainda é um sistema muito simples. Vejam bem, isso não é um problema de Old Dragon e de nenhum outro RPG. A proposta dele é ser simples e a tarefa foi muito bem cumprida. Não sei se é algo que acontece com todos, mas uma hora eu preciso de mais informações e regras para enriquecer o jogo. Quando chegamos nesse ponto temos duas saídas: mudar de sistema ou criar regras da casa. Todo relato e conversa que tenho e já tive com jogadores veteranos mostra que todos, com raras exceções, adotam regras da casa para complementar o sistema, seja qual for. Eu gosto de regras detalhadas e por isso prefiro sistemas mais robustos, tanto para jogar quanto mestrar. Contudo, nenhum deles passa sem receber “atualizações”. Eu gosto de criar e adaptar regras de tudo aquilo que funciona em outros sistemas para o meu. Por exemplo, Dungeons & Dragons possuem várias versões e muitas regras boas, e ruins também, mas infelizmente as edições seguintes sempre esquecem uma ou outra regra que era maravilhosa em prol da simplicidade. Lógico que deve existir um meio termo para não tornar o ritmo lento e confuso para todos, mas aí é questão de bom senso. Old Dragon, por exemplo, tem excelentes suplementos e acho inevitável uma nova versão com regras mais avançadas porque um dia o iniciante será veterano! No mais, excelente artigo!
06/05/2020 at 8:21 am
Acho que em vez de simples, o problema é ser POBRE.
06/05/2020 at 8:48 am
bom apontamento Diego