Se você é um mestre ou narrador de RPG já deve ter quebrado a cabeça pensando em combates em massa ou larga escala. Assistimos aquelas batalhas de O Senhor dos Anéis e Star Wars, e ficamos matutando uma forma emocionante de usar isso no RPG. Existem jogos que possuem regras oficiais para guerras – GURPS tem um suplemento inteiramente dedicado ao assunto – mas no geral, acho que este é um assunto digno de debate.
Hoje veremos uma regra caseira para deixar as guerras únicas e memoráveis.
Do pó ao pó
O RPG nasceu dos board games e alguns jogos resolvem a questão do combate em massa voltando ao board game. De forma geral, parece que a maioria dos sistemas trata a guerra como um mini-game a parte do jogo, com suas próprias regras exclusivas. Alguns usam tabuleiros, outros apenas rolagens de perícia e moral, e sempre existem modificadores por tamanho de tropa, experiência da tropa, tipo de terreno, tecnologia e coisas assim. Isso pode ser bem legal, mas nem todo mundo curte essa pegada, eu incluso.
Até mesmo o meu jogo favorito Blood & Honor, resolve a guerra com um mini-game, muito embora seja o melhor que tenha visto. Vemos os resultados da guerra na economia, o valor da espionagem e do conhecimento sobre o oponente, além de uma duração de meses ou anos com os jogadores no papel de heróis de guerra! Contudo, ainda assim é apenas um mini-game de guerra, o que não é a minha preferência.
Cada batalha precisa ser única e ter suas próprias características.
É por isso que batalhas possuem nomes e viram lendas!
Se você não tem problemas com mini-games de guerra, tudo bem! A regra que eu apresento hoje pode ser usada com qualquer sistema de guerra, pois a proposta não é mudar o sistema de regras, mas direcionar o foco da narrativa para as ações dos personagens dos jogadores e não para o conflito em si.
Guerra como pano de fundo
A proposta aqui é que você resolva o conflito como quiser! Tanto faz se usará um sistema tático ou um abstrato, ou par ou ímpar, pois o importante não é saber quem venceu a batalha, mas como ela foi marcante. Se você conduzir uma cena eletrizante com os jogadores, o desfecho do embate será secundário!
Você pode até usar esta cena para definir a variável derradeira que modificará a rolagem final pra decidir o vencedor da batalha, mas a ideia é que os jogadores diferenciem cada batalha através das memórias que guardam dessas cenas épicas! Antes de falar das fases de definição e condução desta cena, tenha em mente 3 coisas durante a batalha:
1. Os jogadores não escaparão do caos e perigos da guerra;
2 . Mas seu foco estará em um objetivo estratégico decisivo;
3. Poderá existir um tempo definido para o sucesso dos heróis de guerra.
Fase 1 – A guerra dentro da guerra
O pau ta cantando no campo de batalha, mas nossos heróis de guerra precisam fazer algo além de matar inimigos até a exaustão. Vamos criar uma ou mais cenas iradas para que a batalha se torne única para o seu grupo! A ideia é que enquanto você narra a batalha em visão macro, os jogadores estejam envolvidos em algumas coisas de grande importância, que não são trabalho para um mero soldado, na visão micro. A narrativa vai ser fundamental chefia!
Escolha um objetivo para o grupo durante a batalha,
Caso o objetivo se mostre muito fácil, insira outro depois.
O ideal é que as coisas não sejam sem graça!
Tabela 1 – Objetivo da cena (role 1d6 ou escolha)
1d6 | Objetivo | Exemplos |
1 | Defender posição | Manter os portões trancados, expulsar os invasores das muralhas, espantar as forças aéreas, Impedir o acesso a uma ponte, tomar uma torre, proteger alguém enquanto o resgate não chega, dar cobertura aos médicos, etc. |
2 | Sequestro/Resgate | Regatar ou sequestrar a princesa na torre do castelo, obter documentos do inimigo, resgatar algum item de grande valor, aprisionar o mascote, bandeira ou outro simbolo valioso ao inimigo, resgatar um aliado desaparecido, recuperar o controle do cruzador espacial, etc. |
3 | Sabotagem/Reparos | Destruir ou concertar as armas de destruição em massa, estragar o estoque de comida ou água do inimigo, desviar suprimentos do inimigo, reajustar cursos e motores de veículos, concertar o sinalizador de teletransporte, etc. |
4 | Comunicação/Espionagem | Quebrar a criptografia de uma mensagem, hackear o main frame inimigo, descobrir os planos traçados na barraca do general, enviar uma mensagem pessoalmente a um senhor da guerra, avisar sobre uma emboscada sem usar os meios de comunicações espionados pelos inimigos, plantar pistas falsas, obter informações de um inimigo, etc. |
5 | Eliminação de alvo | Derrotar o campeão adversário para abalar o moral de suas tropas, eliminar o mago que está fazendo a diferença na batalha, eliminar os engenheiros que concertam os mechas, acabar com o Lord sith no cruzador espacial, etc. |
6 | Especial | Você pode rolar 2 vezes na tabela ou escolher uma missão contextualizada com sua campanha. |
Fase 2 – Os perigos do campo de batalha
Para que a guerra não seja apenas um pano de fundo estático, você utilizará alguns eventos caóticos típicos de guerras. Flechas irão rasgar os céus, bolas de fogo explodirão as torres, um bombardeio atacará a região, uma carroça pegará fogo, um NPC importante estará na mira de um inimigo e coisas assim deverão acontecer para que a adrenalina e o caos da guerra gerem nervosismo e tensão nos jogadores.
Para evitar monotonia, continue narrando eventos de guerra, mesmo a distância, só para que os jogadores percebam que acontece merda com todo mundo o tempo todo!
A cada rodada role 1d6 ou mais se o grupo se dividir.
Se o resultado for 1, acontecerá um evento de guerra com aquele grupo,
Se não, aumente em 1 a chance na próxima rodada,
Retorne a chance para 1 quando ocorrer evento.
Tabela 2 – Eventos de guerra (role 1d6 ou escolha)
1d6 | Contratempo | Exemplos |
1 | Reforços | Inimigos ou aliados inesperados engrossam as fileiras no combate, tornando as coisas mais difíceis ou fáceis. Durante 1d6 rodadas haverão mais inimigos ou aliados na cena, atuando diretamente com os personagens. |
2 | NPC em perigo | Um aliado ou inimigo parece em apuros, tendo grandes chances de morrer. Talvez o general esteja sendo capturado, ou o rei inimigo esteja de guarda aberta. Seja como for, em 1d6 rodadas o aliado morrerá ou inimigo estará a salvo novamente. O grupo precisa se dividir entre o objetivo principal da cena e esta questão. |
3 | Cenário | Uma granada explode, um gigante abala o chão ou uma magia abre uma fenda no chão, mudando a geografia do campo de batalha. Talvez um bombardeio tenha destruído paredes, ou um dragão causando um incêndio. Os personagens precisam sobreviver aos danos e sair da área de risco para evitar um soterramento ou algo semelhante em menos de 1d6 rodadas. O terreno agora está diferente, capriche na narrativa e mate mesmo! |
4 | Fogo cruzado | Uma saraivada de flechas ou rajada de blasters cruza o caminho do grupo. Existe uma chance de tomar uma “bala perdida” ou ser atropelado por um tanque de guerra. O grupo todo corre risco de vida, faça jogadas de salvamento, esquiva ou o que seu sistema permitir para que eles evitem uma morte certa. |
Duelo | Pelo desenrolar dos eventos, um personagem (escolha um ou faça um sorteio) acaba engajado em um duelo contra um oponente por 1d6 rodadas, neste tempo eles ficam alheios aos eventos do combate, focados apenas um no outro. Talvez tenham se distanciado do campo de batalha, mas ninguem poderá interferir neste período. Capriche na narração pra não parecer forçado. | |
6 | Especial | Você pode rolar 2 vezes na tabela ou escolher um evento contextualizada com sua guerra. |
Fase 3 – O tempo urge
Para criar a sensação de urgência, é preciso definir o prazo que os jogadores terão para realizar o seu objetivo. Talvez você ache que 10 rodadas seja muito, ou que 24 horas seja mais adequado. Aqui não teremos uma tabela, mas você terá que usar de bom senso. A falha dos jogadores não encerrará as chances de vitória de seu exército, ainda mais se a falha for por tempo, mas lembre-se que pode culminar na morte de alguém ou em sua captura.
Em alguns casos é melhor você não definir um prazo, até que se sinta confortável com esta abordagem
É isso ai pessoal, sei que não é nada de inovador, mas é a forma como eu faço para que as guerras sejam vistas em “primeira pessoa”. No meu grupo eu costumo inserir vários objetivos ao longo da batalha. Cada um gerando um modificador positivo ou negativo para o resultado final da batalha.
Espero que tenha curtido e que lhe sirva de inspiração.
Até a próxima.
PEP
11/12/2017 at 10:41 am
Seu texto trouxe uma solução elegante para um assunto muitas vezes complexo. Parabéns! Vou usar (incorporar/ adaptar) aos meus jogos. Temo que vá deixar meu “GURPS Mass Combat” juntando poeira na estante.
12/12/2017 at 7:01 am
Valeu Tiago. Adorava os suplementos de GURPS, mas hj menos é mais para mim.
21/07/2018 at 1:24 pm
Eu ainda uso aquele “mass combat” da 3a caixa do D&D, mas ficar fazendo um jogo separado do quê acontece com os jogadores não ajuda muito. Algo legal são tabelas de o quê pode acontecer com eles quando num campo de batalha, coisas além de algumas flechas (não) perdidas, como estar numa área de magia ou cenas de ajuda a companheiros seguido de estar subitamente cercado.
Quanto ao lance de ser um jogo em separado dentro da campanha, eu fazia o seguinte: rolava todas as batalhas antes da sessão, assim eu já sabia o desfecho delas (desde que elas não tivessem a intervenção do jogadores). Isso ajudava bastante pois aquela batalha que eu sei que o lado deles vai perder pode gerar aquele gancho de missão para eles tentarem evitar a derrota.
Bom trabalho cara. Gostei bastante!
06/03/2021 at 2:19 pm
estou narrando uma aventura em que os personagem depois de muito tempo mestrando chegou a ficar com 600 pontos, já estão bem fortes e usando magia como domo e etc. Chegou numa parte que a guerra e inevitável, gostaria de uma dica de como conduzir uma cena de guerra com os personagem quase super.
13/03/2021 at 3:46 pm
Vc viu vingadores contra thanos no cinema? Acho que vai seguir alguma coisa nessa linha. Todo o conteudo deste post serve para ti, basta elevar a escala dos perigos e objetivos .